Receita Federal negou aplicação de benefício criado para contribuintes derrotados no Carf por voto de qualidade
Uma empresa de laminação de alumínio obteve liminar na Justiça para suspender a cobrança de R$ 11 milhões de CSLL. O valor passou a ser exigido após a Receita Federal negar o abatimento de multa e juros sobre o débito tributário principal, conforme permitido pela Lei nº 14.689, de 2023, quando o contribuinte é derrotado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por voto de qualidade.
A Receita entendeu que essa lei não valeria para casos de compensação tributária. A decisão é um dos primeiros precedentes a respeito do assunto, segundo tributaristas, e pode servir de paradigma para outros contribuintes que estejam na mesma situação.
No caso, a empresa tinha feito uma declaração de compensação para pagar a CSLL devida com outros créditos tributários. No entanto, a Receita não aceitou os termos da compensação declarados pelo contribuinte.
A companhia recorreu na esfera administrativa e levou a questão até a Câmara Superior do Carf – última instância. Mas acabou perdendo por voto de qualidade, proferido pelo presidente do colegiado, que é representante da Fazenda Nacional.
Resolveu, então, se aproveitar dos benefícios da Lei 14.689, que prevê o cancelamento de multas e juros de mora se o montante devido for quitado em até 90 dias. Pagou o principal, que era de cerca de R$ 4 milhões. Porém, foi negado o abatimento de multas e juros, segundo explica o advogado Bruno Fajersztajn, CEO do Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados, que defende a empresa na Justiça.
O entendimento da Receita Federal é de que os benefícios não valem para “existência de direito creditório do contribuinte”. A exceção está no inciso V do artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 2205 e no Parecer SEI nº 943, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ambos de 2024.
Para o contribuinte, porém, a previsão seria ilegal, por não haver essa restrição na lei, o que contraria os princípios da legalidade administrativa e da legalidade tributária, além de criar distinção indevida entre contribuintes em razão da origem do débito discutido em processo administrativo.
A União, por sua vez, representada pela PGFN, argumentou que o voto de qualidade só foi necessário em relação a uma das questões discutidas no processo, o limite de 30% para compensação da base negativa da CSLL. O órgão também sustentou que tem o direito de cobrar multas e juros porque a questão suscitada é decorrente de compensação não homologada.
Na decisão, porém, a juíza Noemi Martins de Oliveira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, deu razão ao contribuinte. Ela apenas analisou a probabilidade do direito e a urgência de julgamento, mas entendeu, em caráter provisório, que a instrução normativa “cria limitação não prevista em lei, extrapolando os limites do poder regulamentar e inovando indevidamente no ordenamento jurídico, em afronta ao princípio da legalidade”.
Assim, a juíza ordenou que a União abstenha-se de cobrar os débitos de CSLL exigidos em processo administrativo, “de modo que tais débitos não impeçam a renovação da certidão de regularidade fiscal da empresa, não acarretem sua inclusão no Cadin ou em outro cadastro de proteção ao crédito e, ainda, não sejam protestados” (processo nº 5009254-46.2025.4.03.6100).
Segundo Fajersztajn, apesar de ainda ser liminar, a decisão aponta para a direção correta ao interpretar que a Receita não poderia ter extrapolado o conteúdo da lei para limitar o benefício de cancelamento de multas e juros. “Na própria lei não há uma distinção, então o benefício deveria valer tanto para as compensações quanto para os autos de infração. É uma decisão inédita, correta, que ajuda a afastar uma ilegalidade do entendimento da Receita e da PGFN”, diz.
Artur Muxfeldt, sócio do BVZ Advogados, destaca que o tema ainda é recente no Judiciário. Ele cita um outro precedente favorável aos contribuintes no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que não abordava o mesmo ponto, mas também questionava a instrução da Receita e o parecer da PGFN.
No caso, os benefícios foram negados porque o voto de qualidade apenas rejeitou a decadência da cobrança. A 3ª Turma Especializada, por unanimidade, porém, negou o recurso da União, assentando que a lei não fez “qualquer limitação quanto ao objeto ou matéria do processo administrativo fiscal” (processo nº 5075609-89.2024.4.02.5101).
No ano de 2024, até outubro, 3,7% dos processos do Carf tinham sido resolvidos por voto de qualidade, o que representou um aumento em relação a 2023, quando só 2,9% dos processos foram finalizados por essa modalidade. Procuradas, tanto a PGFN quanto a Receita Federal afirmaram que não se manifestarão a respeito da decisão judicial.
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