STF devolve ao plenário virtual análise de multa isolada tributária

Corte cancelou destaque e devolveu ao ambiente virtual debate sobre o caráter confiscatório de multa por descumprimento de obrigação acessória.

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STF julga constitucionalidade de multa isolada aplicada em casos sem lançamento de tributo. (Imagem: Arte Migalhas)

Nesta quinta-feira, 14, STF, em sessão plenária, decidiu devolver ao plenário virtual o julgamento que discute o possível caráter confiscatório da chamada “multa isolada”, penalidade aplicada pelo descumprimento de obrigações acessórias vinculadas a operação que não gerou crédito tributário.

O caso, com repercussão geral reconhecida desde 2011, começou a ser analisado no ambiente virtual em 2023.

Na ocasião, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou contra a penalidade, propondo tese restritiva para a aplicação das multas isoladas. Ministro Edson Fachin acompanhou o entendimento, enquanto Dias Toffoli abriu divergência.

O julgamento foi interrompido por pedido de destaque do ministro Cristiano Zanin, o que levou à retomada nesta tarde, no plenário físico.

Após as sustentações orais dos amici curiae, contudo, os ministros optaram por cancelar o destaque e remeter novamente o processo ao plenário virtual, onde a análise será concluída.

Entenda o caso

A controvérsia surgiu de um caso envolvendo a Eletronorte, multada pelo Estado de Rondônia em 40% sobre o valor de uma operação de remessa de óleo diesel, devido à falta de emissão de documentos fiscais.

O combustível, adquirido da Petrobras, era destinado à geração de energia elétrica por empresa contratada. O ICMS já havia sido recolhido no momento da saída do diesel da refinaria, via substituição tributária, e não havia tributo devido nessa etapa da operação. Ainda assim, o Fisco estadual impôs uma multa por descumprimento de dever formal, o que a empresa considerou desproporcional.

Em MS impetrado em 1º grau, a empresa de energia obteve a redução desse valor para 10%, ainda considerado elevado por ela; interpôs recurso ao TJ/RO, obtendo redução para 5%; e contra essa decisão, se insurgiu no RE, que teve repercussão geral reconhecida em 2011.

Amici curiae

Representando a Abras – Associação Brasileira de Supermercados, a advogada Gláucia Maria Lauletta, do escritório Mattos Filho, defendeu que o STF estabeleça critérios claros e proporcionais para a aplicação de multas isoladas por descumprimento de obrigações acessórias, de forma a evitar efeito confiscatório.

No caso em julgamento, lembrou, a penalidade de 40% sobre o valor da operação foi imposta pelo Estado de Rondônia devido à ausência de emissão de nota fiscal na remessa de óleo diesel já tributado por substituição tributária, situação em que sequer havia tributo devido.

Invocando precedentes como o Tema 872 (multa pela não apresentação da DCTF) e o Tema 214, a causídica defendeu a limitação de 20% sobre o valor do tributo, conforme proposto pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, argumentando que percentuais calculados sobre o valor da operação extrapolam a função punitiva e podem configurar enriquecimento ilícito do Estado.

Fundamentou sua posição nos princípios do não confisco, da moralidade administrativa e da proporcionalidade, e mencionou o PLP 124, que prevê teto de 100% para multas tributárias.

Pela Abat – Associação Brasileira de Advocacia Tributária, o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos manifestou apoio à fixação do teto de 20% sugerido pelo relator.

Explicou que, segundo o art. 113 do CTN, as obrigações acessórias tributárias têm caráter instrumental, servindo à fiscalização, e que seu descumprimento nem sempre implica inadimplemento do tributo. No caso em análise, apontou que a nota fiscal de saída foi emitida pela Petrobras e o ICMS recolhido antecipadamente, sem prejuízo ao erário ou à fiscalização.

Destacou que condutas dolosas para não pagar tributo já recebem tratamento mais severo, com multa de ofício (75%) ou multa qualificada (100% a 150%, Tema 863), e que a penalidade debatida apresenta potencial lesivo reduzido.

Trouxe dados sobre a capacidade tecnológica do fisco brasileiro, como o uso do SPED, da nota fiscal eletrônica e do cruzamento de dados no IRPF, e sobre a alta complexidade do sistema tributário, lembrando que pesquisa internacional coloca o Brasil como o país mais complexo do mundo e que o custo de conformidade supera R$ 200 bilhões anuais.

Para a Abat, tais fatores reforçam que a proporcionalidade justifica a limitação a 20% sobre o tributo devido ou potencial, reservando sanções mais pesadas para infrações de maior gravidade.

Em sentido diverso, a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Luciana Miranda, falando pela União, se opôs à fixação de um percentual único para todas as multas isoladas relativas a obrigações acessórias.

Para ela, a padronização ignora a diversidade e a gravidade distintas das condutas, podendo gerar descompasso entre a infração e a penalidade.

Lembrou que o STF já estabeleceu tetos em hipóteses específicas,como no Tema 816 (multas de mora) e no Tema 863 (multas qualificadas por fraude), sempre considerando a lesividade da conduta.

Ressaltou que as obrigações acessórias abrangem situações muito distintas, desde a entrega de declarações fiscais até o controle de atividades sensíveis, como a fabricação de cigarros ou a produção de biodiesel, envolvendo interesses de saúde pública, meio ambiente e transparência.

Equiparar todas ao patamar de 20% da multa de mora, alertou, seria instaurar uma “proporcionalidade às avessas” e poderia levar à inconstitucionalidade de sanções relevantes.

Apontou ainda a dificuldade de definir base de cálculo única, já que algumas multas incidem sobre o valor da operação, outras sobre faturamento e, em certos casos, não há operação nem tributo vinculado.

Defendeu que o julgamento recomende parâmetros legislativos, e não um teto fixo, e pediu a exclusão das multas aduaneiras do alcance da decisão, por terem natureza administrativa diversa.

Voto do relator

No primeiro plenário virtual, ministro Barroso votou pela inconstitucionalidade da penalidade prevista no art. 78, III, i da lei 688/96 de Rondônia, e propôs uma tese restritiva à aplicação das multas isoladas.

Inicialmente, fixou que essas penalidades não podem exceder 20% do valor do tributo devido, quando houver obrigação principal vinculada.

Após a manifestação do ministro Dias Toffoli, Barroso complementou seu voto para esclarecer sua posição também nos casos em que não há tributo exigível, mas sim tributo potencial – como ocorre em situações de substituição tributária. Para esses casos, ele manteve o teto de 20%, mas agora calculado sobre o valor do tributo potencial ou já recolhido em outro elo da cadeia.

Além disso, o relator afirmou que, mesmo que a lei estadual eleja o valor da operação como base de cálculo da multa, a aplicação da alíquota deve ser compatível com o teto de 20% sobre o tributo correspondente – e não diretamente sobre a operação comercial.

Veja a tese proposta pelo ministro:

1. A multa isolada, aplicada em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode exceder 20% (vinte por cento) do valor do tributo ou crédito correlatos, sob pena de violação à proibição constitucional do confisco.

2. Nos casos em que não haja tributo ou crédito diretamente vinculados à obrigação acessória, mas seja possível estimar a base de cálculo aplicável como se houvesse obrigação principal subjacente, o limite máximo de 20% deverá incidir sobre o valor do tributo ou crédito potenciais, correspondentes à operação.

3. Observado o limite máximo ora definido, compete ao legislador a definição dos critérios de gradação da multa, podendo prever causas agravantes ou atenuantes, respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem prejuízo do controle judicial das penalidades aplicadas.”

Barroso também votou pela homologação da desistência do recurso da Eletronorte, que aderiu a programa de recuperação fiscal estadual. A análise do mérito prosseguiu apenas em razão da repercussão geral.

Divergência parcial

Também no primeiro plenário virtual, ministro Dias Toffoli acompanhou o relator na homologação da desistência, mas divergiu parcialmente no mérito, ao propor uma tese mais ampla e flexível para balizar a atuação do Fisco.

Toffoli propôs duas categorias distintas para mensuração da multa. Veja a sugestão de tese para o Tema 487:

1. Havendo tributo ou crédito, a multa decorrente do descumprimento de dever instrumental estabelecida em percentual não pode ultrapassar 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado, podendo chegar a 100% no caso de existência de circunstâncias agravantes.

2. Não havendo tributo ou crédito tributário vinculado, mas havendo valor de operação ou prestação vinculado à penalidade, a multa em questão não pode superar 20% do referido valor, podendo chegar a 30% no caso de existência de circunstâncias agravantes. Nessa hipótese, a multa aplicada isoladamente fica limitada, respectivamente, a 0,5% ou 1% do valor total da base de cálculo dos últimos 12 meses do tributo pertinente.

3. Na aplicação da multa por descumprimento de deveres instrumentais, deve ser observado o princípio da consunção, e, na análise individualizada das circunstâncias agravantes e atenuantes, o aplicador das normas sancionatórias por descumprimento de deveres instrumentais pode considerar outros parâmetros qualitativos, tais como: adequação, necessidade, justa medida, princípio da insignificância e ne bis in idem.”

Toffoli ainda propôs a modulação dos efeitos da decisão, para que só produza efeitos a partir da publicação da ata de julgamento, resguardando processos em andamento.

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